terça-feira, 6 de dezembro de 2016

tricot



A Teresinha está feliz com os primeiros cinco centímetros do seu primeiro trabalho de tricot. Eu estou radiante. Não que não me orgulhe do facto de a minha filha saber a diferença entre um 4-4-2 e um 4-3-3, ser capaz de fazer a finta do Quaresma, a finta do Ronaldo e a finta do Neymar mas sinto que já merecia vê-la dedicada a uma actividade mais menineira. 

"Achas que está bem mãe?" 

"Está óptimo meu amor. Aprendeste num instante." 

"Tu aprendeste quando tinhas a minha idade?"

"Sim, e olha que tive bem mais dificuldade para começar a fazer os pontos certinhos."

"Quem te ensinou?"

"A minha mãe, tua avó."

"E quem ensinou a avó?" 

"A sua mãe, a tua bisavó."

"E a bisavó? Aprendeu com a sua mãe?"

Imagino que sim.

"E..."

Antes que continue, porque eu sei como isto (não) vai acabar até chegar ao início dos tempos, adianto-me:

"O tricot faz-se há muito, muito tempo. Antes de haver máquinas de costura as roupas tinham de ser todas feitas à mão."

"Mas, as primeiras pessoas, mãe..."

"Que primeiras pessoas, filha?"

"A primeira pessoa a fazer, aprendeu como?"

"Oh, Té... sei lá, descobriu sozinha como se fazia..."

Olha-me com uma expressão desconfiada. Não está satisfeita com a teoria. Encolho os ombros. Pergunto-lhe se não quer colar cromos da bola na caderneta. Ela diz que sim. Ao pousar a malha no cesto sorri triunfante: 

"Já sei como descobriu! Foi ao Youtube."

sexta-feira, 22 de abril de 2016

"Descansa, mãe!"



Na sexta-feira o Tiago regressou do colégio com um objectivo: proporcionar descanso à mãe. Eu não sei se foi sugestão do professor, se foi um mero fruto da sua infindável necessidade de traçar novas metas. Sei que a ideia me agradou.

Imune aos olhares fulminantes do André, que estava (segundo o Ti) obrigado a ajudá-lo a ajudar-me, recebi com entusiasmo a informação de que iria poder relaxar e fazer o que bem me apetecesse pois não iria ter de me preocupar com absolutamente nada.

“Pai, temos decidir o que vamos fazer para o jantar!”

O André sugeriu que fizessem uns panados com massa. O Ti estendeu-lhe o livro de receitas do Pantagruel.

“Panados com massa são só panados e massa. Isso não é uma receita. Vamos preparar uma receita a sério.”

Uma "receita a sério" implica refogados, gratinados e afins, está visto. Pedi autorização para escolher o prato. Pasticciata da Siccilia, pág. 574. Todos gostam e, apesar de trabalhosa, não é difícil. Assim foi. Duas horas ao fogão e o jogo dos Golden State Warriors contra os Houston Rockets perdido (eu bem digo que é muito chato não haver SportTv na cozinha…) valeram uma pasticciata de comer e chorar por mais.

Fim-de-semana implica idas ao supermercado às quais todos se furtam com as mais variadas desculpas. Fiel ao cumprimento da sua missão, o meu filho não só me acompanhou nas compras como à saída da caixa fez questão de carregar todos os sacos.

“Tiago, dá cá ao menos os pacotes de leite que são pesados. Já levas muita coisa!”

“Nem pensar, mãe! Tu não podes fazer esforços!”

Sorri, envergonhada, à senhora da caixa que me sorriu de volta e me desejou as melhoras imaginando talvez que eu tivesse um problema grave de costas.

Na loja de animais o embaraço foi ainda maior quando, sem que eu tivesse tempo para o impedir, arrancou para o carro com um saco de doze quilos de ração em cima da cabeça.

A bem da integridade física do meu filho e antes que me aparecesse a Segurança Social à porta decidi não voltar a sair para comprar o que quer que fosse.

Tudo correu às mil maravilhas até ao momento em que me apercebi de que era domingo à tarde e o meu super ajudante ainda não tinha feito aquelas que são, efectivamente, as suas tarefas:

“Os trabalhos de casa?”

“Faço daqui a pouco.”

“Daqui a pouco o fim-de-semana acabou. Vai lá para o quarto e faz o que tens a fazer.”

“Oh mãe…”

“Ti…”

“Deixa só acabar este episódio…”

“Tiago Manuel, trabalhos de casa!”

“Oh mãe…”

“E banho? Não tomaste banho de manhã, tens de tomar banho.”

“Oh mãe…”

Este “Oh mãe” pode repetir-se infinitamente se eu não arranjar maneira (a bem ou a mal) de o chamar à razão. Optei por tentar tirar partido da sua boa vontade para com o meu bem estar:

“Tiago, decidiste que ias fazer tudo o que fosse possível para que eu não me cansasse.”

“E fiz!”

“Pois fizeste. Ajudaste a carregar, a arrumar, a limpar e até a cozinhar. Mas fica sabendo que estar aqui meia hora a mandar-te ir fazer os tpc e mais meia hora a mandar-te para o banho cansa-me bem mais do que duas horas na cozinha.”

Enterra-se no sofá, arqueia uma sobrancelha e faz aquela expressão que o faz parecer ter oitenta anos em vez de oito.

“Mãe…”

“Diz lá…”

“Sabes que eu quero que descanses. Se uma das coisas que mais te cansa é mandar-me fazer coisas eu dou-te uma sugestão: não me mandes fazer nada e… descansa.”


quarta-feira, 13 de abril de 2016

I survived the Crush's Coaster



Parque Disney, 30 de Março. As condições atmosféricas são tais que, em alguns momentos, chego a sentir inveja da Daisy deitada numa mantinha, a salvo da chuva e do frio, na sua box do hotel canino.

Abrigamo-nos da intempérie por uma hora para comer uns hambúrgueres. No meio de tanto menu (ao preço de uma refeição num qualquer restaurante da Invicta premiado com uma estrela Michelin) sobram duas colas. O avô decide trazê-las. A última coisa que apetece com um tempo destes é uma cola fresquinha mas dois copos cheios não se deitam ao lixo, lá isso é verdade.

E agora? Vamos onde? Aos pára-quedas do ToyStory! Não, está muito mau tempo para diversões ao ar livre. Vamos antes ao Animagique. Não dá, a próxima sessão é só daqui a uma hora… Nemo! Vamos ao Nemo! A Té não pode ir ao Nemo. Pode, pode, o Ti andou no Nemo com a idade dela! Sim, e saiu em transe!... A Té diz que consegue. Pensando bem, é menina para aguentar o Nemo e, se não quiser, sempre pode ficar com os avós enquanto nós vamos com os rapazes. Siga para o Nemo, a passo rápido, que a chuva está cada vez mais forte.

Onde vamos, pergunta o meu pai. Ao Nemo. Ok, vou também. Não posso acreditar! Ouviram isto? O avô vai ao Nemo! Avó, tens de vir! Até o avô vai!

40 minutos, diz a placa. Quarenta minutos sem apanhar chuva parecem-me bem. Té, tens a certeza que queres vir? Pai, mãe, vêm mesmo? Óptimo, assim vamos todos.

A meio da espera o meu pai repara que o nome da coisa não é Nemo mas sim Crush’s Coaster (from the Nemo movie…) e toma consciência de que o que se segue pode ser algo mais do que um espectáculo de animação. Pergunta-me se é algum tipo de montanha russa ao que eu não tenho outro remédio senão responder que sim. Estás a tempo de voltar para trás, se entenderes… talvez seja melhor... tu não és nada destas coisas. O meu pai pondera. O Tommy agarra-se-lhe ao braço e transmite-lhe a confiança necessária para enfrentar os próximos 20 minutos de zigue-zagues.

Chegados, finalmente, aos torniquetes, dividimo-nos em pares. A Té, pelo sim pelo não, quer ir com o pai para se sentir mais segura. O Tommy segue com o avô e o Ti leva a avó pela mão enquanto lhe explica que se fechar os olhos o tempo todo não custa nada. Eu fico para o fim e sento-me ao lado de uma “single-rider” com quem não posso partilhar as minhas angústias. 

Arrancamos. Assim que começamos a subir e vejo o tubarão penso na pobre da Teresinha. Por mais destemida que seja, para os seus recém-completados 6 aninhos, isto vai ser demasiado duro. Agora não há nada a fazer, resta-me segurar o almoço no estômago e esperar que termine.

Acaba rápido, ao menos isso. Sou a última a sair. Estão todos de pé (o que já é bom) junto ao gradeamento. A Té sorri, vitoriosa. Boa! Os rapazes e o André estão óptimos. Os meus pais também parecem bem. Bem… o meu pai tem dois copos vazios na mão… e um litro coca-cola nas calças. Quem, além do avô Nino, se lembraria de guardar copos cheios nos bolsos dos jeans? Quem, além do avô Nino, entraria numa montanha russa com copos cheios nos bolsos dos jeans? Quem, ao entrar numa montanha russa e ao sentir o assento molhado, imaginaria que é apenas coca-cola que acabou de derramar dos copos que estavam nos bolsos do passageiro anterior?

Fica um vídeo "on ride" para dar uma ideia aos que não conhecem de como é a cena. Se forem à Disney não deixem de andar, que vale a pena. Pese embora a garantia do meu pai de que só não salvou as colas porque não teve cuidado ao baixar a barra de protecção, recomendo que deixem as bebidas à porta.  

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

"TOU XIM?! É PRA MIM!!"



O início de cada ano lectivo faz-nos mergulhar na problemática das actividades extra. A coisa desenvolve-se mais ou menos assim, em dez passos:

Primeiro passo: perguntar aos miúdos quais são as actividades em que se querem inscrever.

Segundo passo: explicar aos miúdos que as variáveis horário, preço e vagas interferem de um modo mais ou menos efectivo na sua escolha.

Terceiro passo:  chegar a um consenso. Este passo tem uma duração média de três a quatro dias. 

Quarto passo: preencher o formulário de inscrição.

Quinto passo: corrigir o formulário de inscrição em função de mudanças de opção de última hora.

Sexto passo: lembrar à Té que, neste momento, escusa de chegar à conclusão que afinal nasceu para a informática, para o judo e para a ginástica acrobática pois vai ser inscrita no xadrez, na natação e no ballet.

Sétimo passo: submeter o formulário.

Oitavo passo: aturar o choro da Té (porque já me disse mil vezes que não quer ir para a natação e "eu não quis saber da sua vida e inscrevi-a sem a sua autorização") e mostrar-lhe que quero, sim, saber da sua vida, razão pela qual, enquanto não tiver a certeza de que ela se aguenta bem à tona de água, a natação não é opcional mas obrigatória.

Nono passo: receber um email do colégio a confirmar, em função das vagas e horários disponíveis, as actividades que os miúdos vão frequentar. 

Décimo passo: informar os miúdos das actividades em que ficaram colocados. Ignorar as queixas da Té.

Este ano o Ti ficou fora do órgão por falta de vagas e fora do xadrez por ser à mesma hora do futebol. 
O xadrez não me preocupou. Quanto ao órgão, insisti com o colégio para que tentasse a todo o custo arranjar uma vaga. 
As semanas passaram-se sem que chegasse o bendito email a confirmar que a vaga tinha surgido. Não só por termos gasto dinheiro num órgão mas essencialmente por achar que faz bem ao rapaz desenvolver a sua veia musical (e também, confesso, por estar a ficar farta do repertório actual que não vai muito além do "Balão do João" e do "Noite Feliz") voltei a enviar um email, desta feita ao professor principal. A resposta foi quase imediata transmitindo-me que o Ti está a frequentar a actividade desde o inicio do mês!

Tiago Manuel, obrigadinha por me fazeres fazer figura de ursa.

Ligo ao Tommy para confirmar se o professor não estará enganado.

"Olá mãe, tudo bem?"
"Tudo mais ou menos. Queria confirmar se sabes se o teu irmão tem ido às aulas de órgão."
"O quê? Não percebi o que disseste. Está muito barulho aqui. Podes repetir?"
"Não devias estar na sala de estudo?"
"Não ouço. Vou para outro sítio."

Falar com o Tomás ao telefone é sempre assim. 
Insisto:

"Queria confirmar se sabes se o teu irmão tem ido às aulas de órgão!"
"O meu irmão o quê?"
"ÓRGÃO! O TIAGO TEM IDO AO ÓRGÃO?"
"Ah... o órgão. Não sei."
"Ando eu aqui a chatear toda a gente por causa da vaga no órgão e recebi agora um e-mail do Professor do Ti a dizer que ele está nas aulas..."
"Desculpa mãe, não ouvi bem. O Professor do Tiago disse o quê? Espera..."

E desliga-me o telefone. 
Desisto. Falo com eles quando chegar a casa. 
Liga-me de volta passados dois minutos. 
Respiro fundo para aguentar mais uma série de "o quê", "não ouço" e "repete por favor". Agarro o telefone e, no meu melhor sotaque serrano, grito:

"TOU XIIIIIM!!" 
(quem não se lembra do anúncio da Telecel?)

Há um estranho silêncio do lado de lá da linha. Antes que eu tenha oportunidade de repetir a graça, ouço um tímido:

"Boa tarde, fala o professor André..."

Depois de me confirmar que está tudo em ordem com as aulas de órgão do Tiago, o professor devolve o telefone ao Tomás que, entre risos, me faz saber que o meu "TOU XIIIM" se ouviu num raio de alguns metros.

Obrigadinha Tiago, por me fazeres fazer figura de ursa... duas vezes.



quarta-feira, 27 de maio de 2015

Não obrigarás a tua mãe a ler-te uma história nos dias em que o pai descarregou um filme novo.




Hora de dormir. Televisão ou história? O Ti quer televisão. A Té quer história. O Tommy  aceita qualquer que seja a opção dos irmãos desde que possa continuar no seu canto, agarrado ao telemóvel, durante mais uns minutos.

“Meninos… decidam-se.”

Não se decidem. O Ti já pôs a andar o novíssimo “Big Hero 6”. A Té está a empilhar livros na cabeceira da minha cama. Estende-me a Bíblia para crianças. Estou cansada, sem vontade de discutir. Abro o livro.

“Ora vamos cá ver onde é que ficámos da última vez… Moisés sobe o monte Sinai.

A Té sorri:

“Conta mamã.”

Peço ao Ti para baixar o volume da televisão. Começo a ler:

O cimo do monte estava coberto por uma espessa nuvem de fumo…

Quando chego aos dez Mandamentos a Té já tem um olho no livro e o outro no Big Hero 6.

“Teresinha... se não queres ouvir a história, vou à minha vida e ficas aqui a ver o filme com os teus irmãos…”

Olha-me com olhinhos doces (bem... um olhinho doce) e dá uma palmadinha no livro como que a ordenar gentilmente que continue.

“Então vamos lá… Há um só Deus. Não farás deuses de material algum e só a Deus adorarás…O nome de Deus é especial e sagrado. Não o uses mal… O sétimo dia é um dia sagrado. Guarda-o para adorares a Deus e descansares do teu trabalho…”

“Mamã… qual é o sétimo dia?”

“Domingo.”

O Tiago, como não podia deixar de ser, lança a confusão:

“Esse mandamento não devia ser assim. Há muita gente que não pode descansar ao domingo… as pessoas da fábrica do pai, os médicos, as meninas do supermercado…”

“Ti… como deves imaginar, não existiam fábricas, hospitais e supermercados do tempo de Moisés… querias ver o Big Hero 6 ou ouvir uma história?”

Avanço:

Ama e respeita os teus pais… Não mates ninguém… Não roubes a mulher ou o marido de alguém… Não roubes nada a ninguém…

O filme está a ganhar ritmo a cada segundo que passa e eu tenho de levantar a voz para me fazer ouvir acima do ruído ambiente:

NÃO MINTAS A NINGUÉM… NÃO COBICES A MULHER OU MARIDO DE ALGUÉM…NÃO COBICES AS COISAS DOS OUTROS… ALGUÉM ME ESTÁ A OUVIR?!?!”

A Té acena afirmativamente mas já não faz sequer o esforço de olhar para mim. Com os dois olhinhos fixados definitivamente no ecrã grita:


“SIM MAMÃ! OUVIMOS! NÃO TE PREOCUPES QUE NÓS NÃO FAZEMOS NADA DISSO!”   

domingo, 10 de maio de 2015

I intend to...



Maio. Mês de Maria.

"Ti, entregaste no colégio a carta a Nossa Senhora com os pedidos e intenções?"
"Sim, mãe."


"Na nossa sala 'tamém' fizemos uma carta à Maria!" - grita a Teresinha.
"A sério? E o que é que tu pediste?"
"Pedi para aprender a partilhar os brinquedos com os amigos."
"Bem pensado Té. Saber partilhar é muito importante."

O Tiago franze o sobrolho e sussurra-lhe:
"Fazias bem era se tivesses pedido para aprender a não picar os miolos dos teus irmãos."

Rio-me. Tento confortá-lo:
"Tens razão Ti. Mas sabes que, para a tua irmã, esse é um objectivo demasiado ambicioso..."

A Té olha-me de soslaio sem negar a evidência.
O Ti suspira. Põe a mão no ombro da irmã e, com serenidade, diz-lhe:
"Para deixares de nos chatear precisavas de muita, mas mesmo muita ajuda de Nossa Senhora. Mais... precisavas de ajuda do próprio Deus. Mesmo assim, duvido que conseguisses."